29.10.10

Uma Campanha Apocalíptica

Este é um post sobre o vídeo apocalíptico que mostra como seria o governo Dilma, lançado no site oficial de José Serra e retirado do ar após ter sido amplamente divulgado pela imprensa.

Convido os eventuais leitores (oi, Alex) a uma chuvinha cerebral rápida e despretensiosa: quando você pensa em previsões apocalípticas aleatórias - qualquer uma, desde o fim da banana até o fim da democracia no Brasil -, quais adjetivos lhe ocorrem de imediato? Que sentimentos tais previsões intencionam provocar? Medo, morte, horror e ranger de dentes, certo? Claro que da intenção para o fato há toda uma Dutra, que costuma levar as mentes cínicas e descrentes ao riso em vez de ao desespero. Mas, seja o resultado final do alerta apocalíptico o terror ou o escárnio, a intenção é sempre espalhar o pânico. E pânico a gente tem do que nos desagrada, confere?

Er, bem - não. A gente fica tão focado na parte histérica do apocalipse (e não por acaso: afinal, também somos filhos de Buda e queremos rir a gargalhada nossa de cada dia) que frequentemente esquecemos o desejo embutido nessa histeria toda - e, mais do que qualquer outra coisa, é de um desejo que trata o vídeo "Dilma 2012". O desejo de que, com Dilma presidente, víssemos uma série de calamidades acontecendo, tipo a descriminalização do aborto e a taxação de igrejas - o horror, horror!... pena que não vai acontecer - para que, ao Fim de Tudo (quando o Brasil, envolto num mar de sangue, diminuiria de tamanho até no mapa, e - horror dos horrores - os EUA ficariam de mal conosco) - depois de tanta morte, Chávez, desespero, PT-polvo, destruição e uma imprensa rangendo os dentes... Dou-lhe uma... Dou-lhe quarenta e cinco...

Os paulistas, capitaneados por Alckmin, Serra e, of all people, a Globo, restaurariam a paz e a democracia na nação! \o/

O vídeo é, pois, especialmente revelador porque não para na parte do Apocalipse. Ele culmina num final redentor que é sua própria razão de ser. Os DilmaFacts que abundam na imprensa têm na base esse desejo pulsante, que não ousa ser dito e que pode ser tornado explícito apenas na ficção mais tosca: vamos retomar o país da mão desses nordestinos zé-povinho e devolvê-lo aos paulistas de bem da nação. A saga heróica do estado de São Paulo retratada no vídeo, que apanha como o Rocky apenas para se reerguer no final, tornando-se o carro-chefe da locomotiva brasileira na luta contra a petralhada, chega a ser comovente. Na verdade, o vídeo nada mais faz do que projetar no futuro algo que, na visão de seus idealizadores, já acontece no presente: o Brasil, afinal, vive o caos e o apocalipse. Temos o governo mais corrupto da história das galáxias, em vias de se tornar uma ditadura sindicalista e repressora da boa moral cristã. No futuro, com Dilma, isso só irá se acentuar. Por quê? Porque é preciso. É preciso ver o caos e o apocalipse por toda a parte: sem o perigo, não há o resgate. E tudo o que mais desejamos é que nosso candidato paulista do bem resgate o país das mãos de um presidente nordestino, cachaceiro e iletrado.

Só faltou combinar com os russos que o Brasil é (ou está caminhando em direção a) esse apocalipse todo. Os russos, no caso, atendem pelo nome de Maria, a empregada lá de casa que agora tem dinheiro pra ir naqueles cruzeiros de dupla sertaneja e até já comprou um celular melhor do que o meu.

Na falta deste combinado - os russos insistem em jamais colaborar -, e na ausência de um superego saudavelmente repressor, resta à campanha de José Serra dar vazão a esse desejo sob a forma de delírio - tão claramente manifesto no vídeo apocalíptico.

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Atenção: se você acha que este texto está acusando os eleitores do PSDB de serem umas bestas desumanas que desejam a morte dos nordestinos e não-paulistas em geral, seria bom você a) tomar umas aulas de interpretação de texto. Na segunda série a prô costuma falar bastante disso; b) se informar sobre medicação anti-psicótica: há ótimos remédios disponíveis no mercado; c) ambos.

Atenção 2: Se, por outro lado, você acha que o ódio e o preconceito de classe não tiveram nenhum papel nesta campanha eleitoral, eu lhe peço encarecidamente que, aí do mundo onde você vive, você sugira ao Papai Noel que me traga (como boa paulista que sou) um carro de presente de Natal. Se não for pedir muito, mande lembranças também ao Saci Pererê. Grata.